domingo, 3 de março de 2013

O gene "esquecido" nas plantas transgênicas: mentiras e verdades



Caros leitores, mais uma vez temos uma informação sobre transgênicos circulando na internet que não corresponde à verdade. Os órgãos reguladores (CTMNio e seus correspondentes mundo afora), desde o início da avaliação de riscos das plantas transgênicas, sempre se preocuparam com ORFs (pequenos trechos de DNA que podem ser potencialmente traduzidos em proteínas) criadas pela inserção da construção transgênica. Podevin e Du Jardin mostraram que há uma série de ORFs teóricas dentro do promotor do vírus do mosaico da couve flor, que é empregado em várias variantes nas construções de transgênicos. Todos os avaliadores de risco já sabíamos disso, mas ocorrem duas coisas importantes:
a) estas ORFs são muito pequenas e, consequentemente, a proteína expressa será, na verdade, um pequeno polipeptídeo, com altíssimas probabilidades de não ter função alguma.
b) elas não têm um promotor a partir da qual pudessem ser expressas. Na verdade, elas fazem parte de um promotor (o tal pCMV35) que vai permitir a expressão do gene clonado. Assim, é altamente improvável que venham a ser expressas nas células da planta transgênica.
Por isso, nunca se deu qualquer ênfase a elas, pois não há uma "rota ao dano" que possa ser estabelecida se não há expressão dos segmentos gênicos das ORFs. Numa abordagem teórica os autores Podevin e Du Jardin concluem, por outro lado, que não há similaridade com alérgenos nem com toxinas. Portanto, ainda que fossem expressas, não causariam qualquer dano ao homem ou aos animais que consumissem produtos onde estivessem presentes.
Quanto à ligação com o tal gene VI, é um artifício de retórica. As ORFs teóricas estão em quadros de leitura diferentes do gene VI e, portanto, os pequenos peptídeos eventualmente produzidos não têm semelhança alguma com a proteína codificada pelo gene VI (a P6 viral). Por fim, o artigo não coloca em questão os trabalhos dos avaliadores anteriores nem sugere que os possíveis peptídeos sejam perigosos.
Para os que quiserem exercitar seus conhecimentos de BLAST e ORF Finder, o genoma tem 8.024 pares de bases (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/nuccore/NC_001497.1) e o segmento gênico de interesse se chama reading frame (VI), cuja sequência gênica pode ser encontrada no link acima. Verão que há seis pequenas ORFs, em quadros de leitura 5´-3´, mas diferentes do quadro de leitura original. A maior delas codifica teoricamente um peptídeo de apenas 87 aminoácidos, que tem baixíssima similaridade com apenas quatro proteínas do banco de dados do NCBI. Como exercício, podem blastar as ORFs menores.
Por que a mentira pelo lado dos "ambientalistas"?

2 comentários:

  1. "Por que a mentira pelo lado dos "ambientalistas"?"

    O recrutamento de leigos para uma causa mal fundamentada (Anti-Transgênicos). Pseudociência como atributo dos ignorantes!

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  2. Car@ Moura.

    O recrutamento para causas mal fundamentadas costuma mesmo dar certo, por mais paradoxal que pareça. Há duas razões fundamentais deste sucesso, ambas ligadas àquilo que as pessoas acreditam: a primeira é a tendência que temos em aceitar as informações após uma pequena avaliação (ou sem nenhuma avaliação) se vier de uma fonte que confiamos (porque se alinha com nossos ideais). A segunda é que nossa ideologia permeia tudo e está, evidentemente, acima da ciência, exceto para aqueles que dependem da aplicação do método científico (para os quais a ideologia fica logo em segundo lugar, sem desaparecer, é claro!).
    O caso dos transgênicos é idêntico ao da "cura gay" do Feliciano. Pode estar certo que há sempre os que se alinham com a ideologia dos seus líderes: no caso dos transgênicos, o Jeffrey Smith, o Séralini e vários outros; no caso da intransigência a qualquer comportamento diferente da média, o Feliciano e uma legião de líderes religiosos de diferentes religiões e de diferentes seitas de cada religião).

    O Feliciano apoia um projeto abilolado de "cura gay", que afronta os homoafetivos e está inteiramente desprovido de qualquer ciência. No caso dos intransigentes anti-transgênicos, as afirmações sobre supostos perigos, nunca vistos pela imensa maioria dos cientistas, a acusação sistemática de que somos todos, cientistas, vendilhões do Templo, que os agricultores são imbecis manipulados pelas multinacionais e que é tudo um plano do capitalismo internacional para mergulhar o Mundo na insustentabilidade e morte, também carecem de bases científicas.

    Nos dois casos, os que se alinham com seus líderes partem do princípio de que eles não podem estar errados: não são críticos, repetem sem entender o que lhes é ditado e enchem com seu fragor a internet e os meios de comunicação. Quando se lhes apontam as falhas conceituais, dizem que
    a) no caso do Feliciano, temos parte com o Capeta (o original, vermelho e de rabo e cascos de bode);
    b|) no caso dos transgênicos, temos parte com o Novo Capeta (a Monsanto e todas as demais multinacionais, mas também com a Embrapa, com a CTNBio e com todas as universidades, vendidas ao capital por dez réis de mel coado).

    Nada se pode fazer contra isso: a conversão exige visões messiânicas, ver Simão no deserto, falar com língua de fogo e coisas assim, que nós, cientistas, não sabemos nem faremos: vamos é beber muito uísque na conta do capitalismo internacional, que nossas burras já estão cheias de notas e pedras preciosas.

    Cordialmente,
    Paulo Andrade

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